Após caso Daniella Perez, Congresso debateu pena de morte e endureceu lei criminal

A comoção pública provocada pelo assassinato da atriz Daniella Perez, há 30 anos, levou a uma ampliação da Lei de Crimes Hediondos. Essa norma estabelece os casos violentos e socialmente traumáticos em que a punição do criminoso precisa ser rigorosa e exemplar, sem espaço para nenhum tipo de relaxamento.
Em dezembro de 1992, aos 22 anos de idade, a atriz foi morta a golpes de punhal pelo ator Guilherme de Pádua e pela mulher dele, Paula Thomaz, no Rio de Janeiro. Daniella e Guilherme atuavam em De Corpo e Alma, a novela das oito da TV Globo.
Até o caso Daniella, a Lei de Crimes Hediondos abrangia poucos casos, como o sequestro, o estupro e o latrocínio (roubo com morte). Depois disso, o Congresso Nacional transformou o homicídio em crime hediondo.
Quem acionou o Congresso foi a mãe da atriz, a novelista Gloria Perez. Indignada por saber que o casal de assassinos responderia ao processo em liberdade e depois poderia ter a condenação aliviada, como se tivessem cometido um crime leve, Gloria em 1993 organizou um abaixo-assinado para que o homicídio entrasse na Lei de Crimes Hediondos.
Documentos da época hoje guardados nos Arquivos do Senado e da Câmara dos Deputados mostram a repercussão do assassinato de Daniella Perez entre os parlamentares e o engajamento deles na mudança da Lei de Crimes Hediondos.
“Considero importante a comoção da opinião pública diante de crimes ocorridos nos últimos tempos, como o assassinato da atriz Daniella Perez, que obviamente estão preocupando toda a população brasileira, inclusive o próprio presidente Itamar Franco, que avalia que o assunto [o endurecimento das leis penais] deve ser amplamente debatido”, afirmou o senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

Num tempo em que os brasileiros não tinham internet, Gloria recorreu a programas de rádio e televisão e a grandes shows de música para pedir a adesão da sociedade. Os papéis passavam de mão em mão. Personalidades como o apresentador Jô Soares e o médium Chico Xavier aderiram em público ao abaixo-assinado. Em apenas três meses, ela conseguiu recolher 1,3 milhão de assinaturas.
O número foi suficiente para a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular. Gloria Perez entregou o abaixo-assinado ao Congresso Nacional em outubro de 1993. A nova lei foi aprovada pelos parlamentares em agosto de 1994 e sancionada pelo presidente Itamar Franco no mês seguinte.
“Esta Casa [a Câmara] recebeu aqui, e eu estava lá, uma comissão de advogados, artistas e familiares de vítimas da violência, comissão esta liderada pela escritora Gloria Perez, que nos entregou um anteprojeto com assinaturas coletadas nos mais diversos recantos do nosso país, numa demonstração inequívoca da preocupação existente hoje com o crescimento da violência e da impunidade que imperam no Brasil”, discursou o deputado federal Adylson Motta (PPR-RS).
O Brasil, de fato, vinha assistindo a uma sequência de crimes estarrecedores. Em Belo Horizonte, na mesma época, a menina Miriam Brandão, de 5 anos, foi sequestrada e estrangulada. Os bandidos depois esquartejaram e queimaram o corpo. Em Brasília, o estudante Marco Antônio Velasco, de 16 anos, foi espancado até a morte por integrantes de uma gangue autodenominada Falange Satânica.
As mães dessas duas vítimas da violência, Jocélia Brandão e Valéria de Velasco, se juntaram a Gloria Perez na luta pela transformação do assassinato em crime hediondo.
A sensação de insegurança chegou a um ponto tal que o Congresso Nacional aventou a possibilidade de reinstituir a pena de morte, aplicada no Brasil pela última vez em 1876, no Império.
Meses depois, um novo caso de violência inflamou o debate. Em março de 1994, o arcebispo de Fortaleza, cardeal D. Aloísio Lorscheider, foi feito refém por detentos quando visitava um presídio cearense de segurança máxima. Os jornais do dia seguinte estamparam a imagem do religioso imobilizado e com uma faca no pescoço. Depois de passar quase 20 horas em poder dos sequestradores, ele foi libertado.
Se a novelista Gloria Perez organizasse a sua campanha pela mudança da lei nos dias de hoje, ela teria muito menos trabalho do que teve em 1993 para recolher as assinaturas. Há dez anos, o Senado criou o Portal e-Cidadania, por meio do qual qualquer cidadão pode sugerir uma ideia de lei.
Quando recebe o apoio on-line de 20 mil pessoas, a sugestão é enviada à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), que decide se ela será transformada num projeto de lei a ser estudado e votado pelo Senado.
